quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Depois de ti.

Querido Michael:
Só agora arranjei tempo para me acalmar e para te contar tudo o que se vem passando na tua ausência. Tenho sido vulgarmente humana ao tentar constantemente rever e perceber o mundo dentro de mim mesma, o que torna tudo muito mais complexo e, talvez, um pouco irreal. Não significa que o mundo de repente se tornou simples, mas tenho-me vindo a aperceber que lidar comigo mesma é igualmente trabalhoso e ilusório, como um sonho que eu não tenho a certeza se existe.
Uma coisa eu tenho a certeza que não é ilusão: o ser-humano está cada vez mais longe de se compreender e aceitar, e a desordem instala-se. É pena que sejamos tão emocionalmente manipuláveis, uma tarefa que nem mesmo nós, donos da inteligência suprema, estamos preparados para enfrentar. Como em pouco tempo o mundo se tornou "nosso" deixámo-nos cegar e convencer de que podemos tudo sobre ele. Acho que chegou a altura que ele se cansou de ser submisso para nos enfrentar, com toda a sua fúria.
A tua ausência repentina e inaceitável. Foi o seu primeiro aviso.
No factídico dia de 25 de Junho foi-nos tirado a realidade de ser-se humano, tudo o que há de mais puro e que não fomos capazes de merecer. Apesar de ser apenas uma pequena esperança na imensidão cósmica, era ao menos uma presença de amor, de bondade, de tudo aquilo que a maldita grandeza do egoísmo foi capaz de matar. Vejo a tua ausência como um símbolo da falta de confiança e da tamanha desilusão daquilo que nos cria e nos transforma todos os dias, seja isso o que for, e que ainda pouca gente aceitou. Em ti estavam as ideias inatas para o sonho cósmico daquilo que devia ser um ser-humano: um ser guiado pela pureza das emoções, pela perfeita união do material e imaterial e, acima de tudo, pelo amor e extrema beleza da compreensão e compaixão. Em ti estavam depositadas as esperanças para tornar universal a arte de se ter alma, e tu fizeste tudo para que isso fosse gritado a todos os ouvidos e visto por todos os olhares.
Eu vi-te e ouvi-te não só com os meus sentidos, mas essencialmente com o meu coração. Talvez seja por isto que me considero tão diferente do resto do mundo.
Nem isto foi suficientemente forte para a mudança. Sinceramente acho que a cegueira da inteligência não foi capaz de alcançar a sensibilidade suficiente para entender que aqui começou a nossa destruição. Criou a necessidade de escandâlo, de espectáculo trágico em teu redor de uma forma tão angustiante que apenas contribuiu para a certeza que não somos merecedores da tua presença.
E a sua vingança continua. Depois de levar contigo o que havia de mais bonito, destruiu-nos e matou-nos a última hipótese de salvamento. A seguir á violência da desilusão, veio a brutidão da revolta, agredindo-nos e matando-nos fisicamente.
Ultimamente têm parado muitos corações, têm caído muitas lágrimas e crescido muitos medos. Podemos considerar este assassínio como uma morte natural, uma vez que fizemos tudo para o ter. Mais uma vez, o mundo apenas nos conseguiu agredir com a violência da sua origem pura, natural.
Estamos tão fragilizados e perdidos que a simplicidade das coisas que nos são tão vulgares nos conseguem abalar. Chuvas, ventos e tempestades levam-nos na sua enxurrada, tão facilmente como uma pena é levada pelo vento.
O que resta de tudo isto é insegurança, é a total ausência de refúgio e inadaptabilidade. É a morte da pouca inocência que podia ainda existir. É tristeza.
Eu observo tudo isto consciente do que se passa exteriormente a mim e invencível do meu interior. Nem imaginas como tento todos os dias gritar o que me ensinaste aos ouvidos de tudo o que toco e vejo , e nem imaginas de como isso me ajuda a sobreviver a cada minuto. Conheço muito bem a minha turbulência diária em manter tudo o que há de mais genuíno na minha origem.
Admiro-te mais a cada dia que passa.
E o que me descansa neste momento, e que admito com tristeza e angústia, é que onde quer que estejas agora, estás muito melhor do que se estivesses aqui.
Tua para sempre,